Professor Romualdo Flávio Dropa

sábado, 11 de junho de 2011

Pastor Marco Feliciano afirma que "africanos descendem de um ancestral amaldiçoado".

No último dia 30 de março de 2011, o pastor e deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) afirmou, via Twitter, que os “africanos descendem de um ancestral amaldiçoado”.

Em seu perfil na rede de microblogs, Feliciano disse: “africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Não se contentando com a primeira barbaridade, o pastor-deputado ou deputado-pastor, já que não sabemos qual a sua função real na Câmara dos Deputados disparou mais uma: “sobre o continente africano repousa a maldição do paganismo, ocultismo, misérias, doenças oriundas de lá: ebola, AIDS. Fome…(sic)”.

Vale-se, o referido deputado da imunidade parlamentar presente no artigo 53 da Constituição Federal, que lhe garante total liberdade de dizer o que quiser. Alguns justificaram o ato do dito pastor-deputado afirmando que ele estava apenas “exercendo o seu direito à liberdade de expressão”. Afirmam que o Sr. Feliciano apenas concluiu algo de acordo com seu estudo e crença” e que deve ser respeitado.

Por meio deste raciocínio, por exemplo, poderíamos justificar o que Hitler escreveu sobre a raça pura e o extermínio dos indesejáveis, já que ele se utilizou da sua liberdade de expressão e sua idéias foram tão somente uma conclusão de acordo com seus estudos e crença.

Não podemos cruzar os braços, fechar os olhos, tapar os ouvidos e zipar os lábios para o racismo, a homofobia, a discriminação, já que repudiar estas práticas e mesmo a sua mera incitação vinda através de um texto “aparentemente” inocente é um ato de intolerância. Vamos rasgar os diplomas obtidos na Academia e jogar na lata do lixo todos os autores, todos os filósofos, todos os sociólogos, todos os pareceres do STF, todas as decisões que condenam o preconceito e as formas de intolerância por causa de pele, raça, cor, sexo e outros, mesmo as “veladas” na forma de textos como deste cidadão.

Ser tolerante não é fechar os olhos para os absurdos que são ditos e escritos. Estudar Direito é combater o mal, combater a ignorância, combater a injustiça, seja lá de que forma ela venha camuflada, travestida, disfarçada ou subentendida, e lutar com todas as forças para que o mal uso da liberdade de expressão seja sim repudiado e condenado. Todos têm o direito de dizer o que quiser, defender o que quiser, expressar o que quiser, mas que esta expressão seja coerente com o Estado Democrático de Direito e que não venha a aviltar direitos fundamentais e, muito menos, tentar vender uma imagem ignóbil e hostil contra quem quer que seja.

A academia de Direito não ensina e tampouco prega a tolerância com a mediocridade, a insensatez, a ignorância, a tacanhez de mentalidade ou a injustiça. O Direito nos ensina a combater, repudiar qualquer manifestação que venha a ofender a dignidade de outrem. E este pastor ofendeu a dignidade de uma etnia com afirmações não somente reveladoras de sua ignorância, mas também de um fanatismo que está se tornando endêmico em alguns setores da sociedade brasileira que aceita determinadas afirmações religiosas sem o mínimo ético de ponderação (leia-se: uso da razão). Pior: nosso Legislativo está sendo invadido por uma praga de gafanhotos devoradores de bíblias, que não somente as ingerem, mas as regurgitam em seus discursos obrigando os seres pensantes a também engolirem o seu discurso e interpretações equivocadas. Eu não sou tolerante com quem é intolerante, por isso estudei Direito: para combater o intolerante é preciso mostrar a ele que está errado, que seu discurso/ato fere direitos fundamentais. Lugar de preconceituoso, racista e quem quer que incite este tipo de pensamento ou é na escola, pois não aprendeu o básico do respeito à alteridade, ou é na cadeia, por fazer alusão ao racismo a partir de idéias distorcidas da pseudo existência de um povo inferior.

Fechar os olhos para as entrelinhas do texto e ser tolerante com este tipo de argumentação é convidar Mussolini, Fidel, Hitler, Kadafi, George Bush e Bin Laden a se sentarem para um banquete onde o cordeiro servido será cada um de nós. Criticar, condenar, repudiar ou mesmo punir os preconceituosos é ser preconceituoso? Julgar e condenar quem comete crimes é ser intolerante? Vamos abrir as penitenciárias, libertar todos os racistas, antisemitas e outros intolerantes devidamente penalizados porque eles apenas emitiram a “posição deles” em seus discursos? Este discurso é vazio e sem fundamentos.

Finalizo com a preciosa advertência de Edmund Burke: "Para o triunfo do mal só é preciso que os bons homens não façam nada".

Marcha da Maconha

Sou um democrata e a favor do debate amplo e irrestrito sempre. A repressão foi extinta deste país às 17h do dia 05/10/1988 e eu espero que ela nunca mais retorne. Sem diálogo, não há democracia, tampouco liberdade. Sem diálogo, não existe respeito à alteridade. Temos que ouvir as propostas do outro antes de julgá-las. Isso é Democracia: dar a todos o direito de se manifestar e, somente após, no caso de ilícito, tomar as medidas judiciais cabíveis. Será que uma passeata pela legalização do aborto, os juízes impediriam da mesma forma dizendo que seria uma apologia ao crime? Penso que não.
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