Professor Romualdo Flávio Dropa

domingo, 7 de agosto de 2011

O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana: princípio constitucional que fundamenta a República e o Estado Democrático de Direito.

O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana encontra-se presente em tudo onde se manifeste a essência do ser humano e, desta maneira, vinculado ao principal postulado do constitucionalismo moderno, os chamados direitos fundamentais da pessoa humana.

Em meio a um mar de tantas exclusões materializadas na sociedade brasileira, o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua concretização ainda se configuram como um sonho distante numa sociedade tão pluralista como é a sociedade brasileira. O princípio, evidentemente, não possui a força mágica de assegurar o devido respeito e proteção à tão famosa e esperada “dignidade”, uma vez que o legislativo e o executivo ainda caminham a passos lentos na efetivação dos direitos fundamentais elencados na Constituição Federal de 1988. Resta, desta forma, a esperança de uma possível efetivação destes direitos por intermédio dos órgãos jurisdicionais.

Mas, o que vem a ser, primeiramente, “principio”?

Para Eduardo CAMBI, “no Direito, os princípios podem ser vistos como stardards juridicamente vinculantes baseados na ‘idéia de direito’ ou nas exigências de ‘justiça’. Portanto, os princípios jurídicos condensam os valores mais relevantes para se dizer o que o Direito é e para que se destina”.[1]

Os princípios devem ser os norteadores do intérprete, a fonte primeira onde o operador do Direito vai buscar as respostas para as questões que necessita elucidar.

A palavra “princípio” pode ter sentidos diversos como, por exemplo, começo ou início. Na Constituição Federal, não é este o sentido que se aplica.

De acordo com José Afonso da Silva, “princípio aí exprime a noção de ‘mandamento nuclear de um sistema”.[2]

Foi justamente a partir da Segunda Guerra Mundial que se iniciou, a nível mundial, um processo de transformação na ciência do direito, pois antes, tudo girava em torno da norma positivada, e hoje, esta cede espaço aos valores.

Foi justamente devido ao apego cego às normas o fato contribuinte para que se fundamentassem todas as atrocidades cometidas pelos regimes totalitários, especialmente o nazismo e o fascismo.

A consciência de que o apego exagerado à norma era prejudicial levou o direito a repensar o positivismo jurídico. Não houve um retorno às doutrinas do direito natural, mas tão somente uma reformulação do direito positivo clássico. Valores foram inseridos no direito positivo.

Os princípios passaram a ser reconhecidos como detentores de conteúdo valorativo, sendo reconhecidos vários deles, como o princípio da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da solidariedade, da legalidade, da democracia, funcionando como eixos centrais para a construção das normas jurídicas, sendo obrigatória a observância daqueles para a formulação das normas. O direito constitucional foi o que mais se transformou com a noção dos princípios como norteadores da norma jurídica.

 

1.2. Diferença entre princípio, valor, regras, normas e cláusulas gerais

Para que uma norma jurídica venha a existir, é necessário que a sociedade atribua valor a determinado objeto e o tutele com mecanismos eficazes passíveis de atingir, potencialmente, o grau máximo de violência legítima contra o transgressor dos limites socialmente impostos.

Primeiramente, porém, cabe aqui ressaltar a necessidade de não confundir “princípio” com “valor”.

Os princípios fundamentais que nortearam as normas e que se encontram elencadas dentro de Constituição escrita representam determinados valores transcendentais ao ordenamento jurídico-positivo do Estado. Isto é, os princípios se configuram como elementos metajurídicos que visam regular o direito positivo.

Os valores, em breve síntese, são o substrato dos princípios, aqueles bens gerais que uma determinada sociedade escolheu salvaguardar, proteger, tutelar. Todas as sociedades possuem bens de caráter subjetivo que desejam proteger e respeitar, não sendo estes bens imutáveis, mas em constante transformação e valoração, uma vez que a própria sociedade se encontra em contínua mutação.

Eduardo CAMBI desdobra, com precisão, a distinção entre princípios e valores:

“Porém, os princípios não se confundem com os valores, pois: i) o princípio tem um grau de concretização maior que os valores, possuindo um início de previsão e de conseqüências jurídicas; ii) os princípios estão dotados de sentido deontológico (a deontologia é a parte da filosofia em que se estudam os fundamentos e os sistemas de moral), enquanto que os valores estão dotados de sentido teleológico (a teleologia é o conjunto de especulações aplicadas à noção de finalidade, de causa final); iii) os princípios obrigam os seus destinatários igualmente, sem exceção, a cumprirem as expectativas generalizadas de comportamento, enquanto que os valores devem ser compreendidos como sendo preferências intersubjetivamente compartidas; expressam o caráter preferencial de bens pelos quais se considera, em coletividades específicas, que vale a pena lutar e que são adquiridos ou realizados por ações distintas a objetivos ou finalidades. Por esta razão, os valores são bens atrativos e os princípios, normas em potencial”.[3]

Ou seja, enquanto os valores se configuram como bens atrativos para um determinado grupo social que sente a necessidade de salvaguarda-los, os princípios agregam estes valores, revestindo-os de validade jurídica por meio de uma constituição. Os valores, como foi o dito, são o substrato para os princípios e ambos, conjuntamente, se transformam no eixo motriz, a espinha dorsal do ordenamento jurídico vigente.

Não se pretende, aqui, abordar com maior profundidade a diferenciação entre princípios e regras jurídicas, mas, sinteticamente, é possível afirmar que os princípios possuem um maior grau de abstração do que as regras[4], sendo estas as concretizadoras dos princípios e, por conseguinte, dos valores.

O Direito se expressa por meio de normas. As normas se expressam por meio de regras ou princípios. As normas podem conter cláusulas gerais.

As regras buscam disciplinar uma determinada situação e, quando esta situação se manifesta, a norma tem incidência, mas quando não ocorre, não há incidência. Quando duas regras colidem, temos um “conflito” de regras. Diante do caso concreto, uma só será aplicável, pois uma afasta a aplicação da outra. O conflito entre regras deve ser resolvido pelos meios clássicos de interpretação: a lei especial derroga a lei geral, a lei posterior afasta a anterior, por exemplo.

Já os princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico. Tem incidência muito mais ampla do que o das regras. Entre princípios é possível que exista colisão, mas não conflito. Quando colidem, não se excluem. Sempre podem ter incidência em casos concretos, às vezes, concomitantemente dois ou mais deles.

Os princípios existem para serem interpretados de modo que esta interpretação deva servir sempre para resguardar os valores embasadores do princípio.

Com relação às chamadas cláusulas gerais, cumpre ressaltar que o Código Civil de 1916 detinha feição nitidamente individualista, reflexo da concepção político-filosófica que passou a vigorar após a Revolução Francesa, onde o homem foi colocado no centro do mundo e capaz, com a sua vontade e a sua razão, de ordená-lo. Consagrou-se a primazia da vontade e submeteu os contratantes ao que constava do acordo, devendo este ser interpretado de acordo com a intenção das partes.

Ruy Rosado de AGUIAR JÚNIOR destaca a quase ausência absoluta de cláusulas gerais no Código Civil de 1916, o que significou, na prática, "o afastamento da possibilidade de aplicação judicializada dos contratos de acordo com uma preocupação de realizar a justiça material".[5] Assim, a justiça era o exato cumprimento das cláusulas do contrato.

Adotando-se um sistema fechado, o legislador veio a desprezar os usos e costumes locais, oferecendo privilégio à regra constante na lei, o que demonstrou a arrogância do legislador, que se julgava suficiente para tudo prever e regular.

Os princípios que vieram a nortear o direito contratual adotados pelo Código Civil de 1916 foram: 1) princípio da liberdade contratual; 2) obrigatoriedade do contrato (pacta sunt servanda); 3) relatividade dos efeitos contratuais.

Assim, os princípios acima descritos representavam, a um só tempo, que as partes eram livres para convencionar o que quisessem e como quisessem, desde que fossem respeitados os limites de ordem pública. Além disso, o contrato tinha força de lei e seus efeitos não podiam beneficiar nem prejudicar terceiros.

Estes princípios, com o passar do tempo, já não estavam mais hábeis a tratar dos contratos com toda a plenitude, tornando-se necessário contextualizá-los de acordo com as novas relações sociais, políticas e econômicas ocorridas durante o período de vigência do Código Civil de 1916. Era preciso flexibilizar a premissa da autonomia da vontade e o da obrigatoriedade dos contratos por meio de mecanismos de combate à desigualdade substancial entre as partes e exigir uma forma mais participativa do Estado, bem como de reconhecer a projeção externa dos efeitos dos contratos sobre os interesses de terceiros[6].

Com o advento do Código Civil de 2002, uma nova roupagem foi apresentada, atualizando-o.

O juiz João HORA NETO comenta que o Código Civil de 2002, de acordo com a doutrina é considerado o Código do Juiz, do Magistrado:

“(...) haja vista que contém inúmeras cláusulas abertas, isto é, normas de conteúdo impreciso, vago e indeterminado, impondo ao Estado-Juiz uma maior liberdade para a solução da novel casuística, inclusive facultando o uso de conceitos metajurídicos na aplicação da norma ao caso concreto - o que representa, a meu juízo, um avanço estupendo, na medida em que abre o sistema jurídico civil ao mundo moderno, diante da mutabilidade do Direito, inserido numa sociedade plural, massificada e complexa”.[7]

O atual Código Civil adotou o modelo de cláusulas gerais como técnica legislativa, “o que vêm a ser normas jurídicas legisladas, incorporadoras de um princípio ético orientador do juiz na solução do caso concreto, autorizando-o a que estabeleça, de acordo com aquele princípio, a conduta que deveria ter sido adotada no caso”[8].

Nesse contexto, Ruy Rosado de AGUIAR JÚNIOR observa que "do emprego da cláusula geral decorre o abandono do princípio da tipicidade e fica reforçado o poder revisionista do Juiz, a exigir uma magistratura preparada para o desempenho da função, que também deve estar atenta, mais do que antes, aos usos e costumes locais". [9]

De acordo com Judith MARTINS-COSTA, a vantagem das cláusulas gerais “é exatamente a mobilidade proporcionada pela intencional imprecisão dos termos da fattispecie que contém, pelo que é afastado o risco do imobilismo porquanto é utilizado em grau mínimo o princípio da tipicidade”.[10]

Neste sentido, a principal função das cláusulas gerais é a de permitir, num sistema jurídico de direito escrito e fundado na separação das funções estatais, a criação de normas jurídicas com alcance geral pelo juiz. Tal função, em última análise, permite que o código acompanhe a velocidade das mudanças sociais que ocorrem dia-a-dia em nosso país, mantendo-no sempre atualizado.

Os valores éticos são uma das principais vertentes orientandas do novo Código Civil. Não é possível deixar de reconhecer, em nossos DIAS, a exigência precípua dos valores éticos no ordenamento jurídico.

A opção por normas genéricas ou cláusulas gerais, sem a rigorosidade conceitual, visa possibilitar a criação de modelos jurídicos de interpretação pelos advogados e juízes e assim proporcionar a contínua atualização dos preceitos legais.

Enquanto que a legislação anterior ainda estava atrelada à idéia de deixar ao intérprete um espaço muito pequeno, passa-se a ter uma lei mais flexível e as cláusulas gerais constituem o novo e fecundo desafio para a jurisprudência feita por advogados e juízes.

As cláusulas gerais contêm termos ou expressões de textura aberta, dotados de plasticidade, as quais fornecem um significado inicial a ser complementado pelo intérprete, levando em conta as circunstâncias do caso concreto. A norma em abstrato não contém integralmente os elementos de sua aplicação. Ao lidar com locuções como ordem pública, interesse social e boa fé, dentre outras cláusulas gerais, o intérprete precisa fazer a valoração de fatores objetivos e subjetivos presentes na realidade fática, de modo a definir o sentido e o alcance da norma. Como a solução não se encontra integralmente no enunciado normativo, sua função não poderá limitar-se à revelação do que lá se contém; ele terá de ir além, integrando o comando normativo com a sua própria avaliação.[11]

Além disso, têm função de integração dos diferentes princípios e direitos adotados em nossa sociedade pluralista, consistindo na possibilidade do juiz aplicar a lei com ampla liberdade axiológica, ponderando os interesses em conflito no caso concreto.

Conforme explica Cármen Lúcia Antunes ROCHA:

“Se a liberdade (especialmente a individual) marcou o primeiro momento histórico moderno da conquista dos direitos fundamentais (dominando a própria concepção dos direitos de primeira geração) e a igualdade jurídica fecundou a segunda etapa (direitos de segunda geração), coube ao terceiro mote da trilogia revolucionária setecentista, refeito e rebatizado, assinalar a conquista dos direitos denominados de 'terceira geração': a solidariedade social juridicamente concebida e exigida colore o constitucionalismo e tinge com novas tintas o princípio da dignidade humana. Agora, não mais apenas o homem e o Estado, ou o homem e o outro, mas, principalmente, o homem com o outro. Como direitos fundamentais da solidariedade social constitucionalmente positivada foram reconhecidos o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente saudável, à informação e comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.” (grifo da autora)[13]

A partir do momento em que o trabalhador contribuiu para a construção de um sistema de seguridade, em respeito ao princípio da solidariedade social (art. 3o, I, CF), é mais que legítima sue expectativa de que, diante de adversidades, seja garantida a manutenção de seu padrão de vida e das pessoas que com ele convivem.

Sendo o princípio da solidariedade social uma norma com sentido aberto, compete ao intérprete ou magistrado oferecer-lhe a completude. O próprio princípio fundamental da dignidade da pessoa humana tem sentido aberto, cabendo ao magistrado apresentar o conteúdo que lhe cabe diante dos casos concretos.

A um Estado que se diz democrático não está facultado deliberar sobre a orientação sexual de seus cidadãos e assim assegurar quais direitos sociais lhes cabem.

Neste sentido, importante a lição de John RAWLS:

"(...) numa sociedade justa as liberdades da cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos assegurados por justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo de Interesses sociais. (...) as instituições são justas quando não se fazem distinções arbitrárias entre as pessoas na atribuição de direitos e deveres básicos e quando as regras determinam um equilíbrio adequado entre reivindicações concorrentes das vantagens da vida social".[16]

No Código Civil de 2002, a família é colocada como instrumento de proteção da dignidade humana, devendo ser esse entendimento utilizado para a leitura de todos os institutos típicos do direito de família.

Com a abertura do sistema de direito privado a valores constitucionais e metajurídicos informadores do sistema, haverá a garantia de eficácia do princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, é necessária a adoção de “cláusulas gerais”, como a constante no Código Civil vigente.

As cláusulas gerais rejeitam a indicação de conceitos perfeitos e acabados, uma vez que procuram pela vantagem da mobilidade, oferecida por meio da imprecisão intencional, e por isso permite capturar, em uma mesma hipótese, uma ampla variedade de casos resolvidos por via jurisprudencial e não legal.

Judith MARTINS-COSTA, afirma que, a nova codificação, é um sistema aberto ou de "janelas abertas":

“em virtude da linguagem que emprega, permitindo a constante incorporação e solução de novos problemas, seja pela jurisprudência seja por uma atividade de complementação legislativa. São suas as brilhantes palavras abaixo transcritas, que explicam muito bem a intenção do legislador: ‘estas janelas, bem denominadas por Irti de 'concetti di collegamento', com a realidade social são constituídas pelas cláusulas gerais, técnica legislativa que conforma o meio hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de princípios valorativos ainda não expressos legislativamente, de standards, arquétipos exemplares de comportamento, de deveres de conduta não previstos legislativamente (e, por vezes, nos casos concretos, também não advindos da autonomia privada), de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego jurídico, de diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim, constantes de universos metajurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente ressistematização no ordenamento positivo. Nas cláusulas gerais a formulação da hipótese legal é procedida mediante o emprego de conceitos cujos termos têm significado intencionalmente vagos e abertos, os chamados 'conceitos jurídicos indeterminados'. Por vezes – e aí encontraremos as cláusulas gerais propriamente ditas – o seu enunciado, ao invés de traçar punctualmente a hipótese e as conseqüências, é desenhado como uma vaga moldura, permitindo, pela vagueza semântica que caracteriza os seus termos, a incorporação de princípios e máximas de conduta originalmente estrangeiros ao corpus codificados, do que resulta, mediante a atividade de concreção destes princípios, diretrizes e máximas de conduta, a constante formulação de novas normas".[17]

A lição de Gustavo TEPEDINO demonstra a adoção das cláusulas gerais, como modelo anterior à nova codificação civil, sendo uma tendência da nova ordem civilística, como segue:

“... ainda no que tange à técnica interpretativa, não pode o operador manter-se apegado à necessidade de regulamentação casuística, já que o legislador vem alterando a sua forma de legislar, preferindo justamente as cláusulas gerais, como ocorre repetidas vezes na Constituição, no Código de Defesa do Consumidor, no Estatuto da Criança e do Adolescente, e mesmo no Código Civil de 2002. Acostumado ao estilo linear e elegante do Código Civil de 1916, no qual todas as situações-tipo eram previstas pormenorizada e detalhadamente, corre-se o risco de relegar à ineficácia as cláusulas gerais -- não só aquelas introduzidas na Constituição, mas as inúmeras normas com a mesma técnica de que se valem os estatutos.”[18]

A Constituição de 1988, em seu art. 3º, ao ilustrar que "constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária (...)”, traça as coordenadas para extração do princípio da boa-fé: solidariedade, colaboração entre os contratantes, função social, dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), princípios que informam o comportamento das pessoas e a atividade do operador do direito.

Assim, a Constituição Federal, além de possuir cláusulas gerais dentro de sua estrutura normativa, também oferece princípios dos quais se extraíram normas de conteúdo geral.

Em amparo a essa nova concepção, MARTINS-COSTA afirma que a inspiração do Novo Código vem da Constituição, farta em modelos jurídicos abertos:

“Sua linguagem,à diferença do que ocorrem com os códigos penais, não está cingida à rígida descrição de fattispecies cerradas, à técnica da casuística. Um código não totalitário tem janelas abertas para a mobilidade da vida, pontes que o ligam a outros corpos normativos – mesmos os extrajurídicos – e avenidas, bem trilhadas, que o vinculam, dialeticamente, aos princípios e regras constitucionais”.[19]

A natureza jurídica da cláusula geral não é a de princípio, nem se apresenta como sendo regra de interpretação. É “norma jurídica, isto é, fonte criadora de direito e obrigações”[20], conforme posicionamento de Judith MARTINS-COSTA.

Isto posto, os princípios deferem das cláusulas gerais porque estas são normas positivadas de conteúdo aberto, construídas com base nos princípios. Os valores, como anteriormente analisado, são o substrato dos princípios, aqueles bens gerais que uma determinada sociedade escolheu salvaguardar, proteger, tutelar. Bens de caráter subjetivo, em constante transformação e valoração, uma vez que a própria sociedade se encontra em contínua mutação.


[1] CAMBI, Eduardo. Jurisdição no processo civil: uma visão crítica. 1a ed., 2at., Curitiba: Juruá, 2003, p. 108

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 13a ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 91.

[3] Cf. Eduardo Cambi: “Ademais, os princípios são diferentes das regras jurídicas, porque: i) têm maior grau de abstração e, por conseguinte, menor densidade normativa (vale dizer: possuem uma série de hipóteses, facti species ou tatbestand indeterminados, enquanto que as regras são caracterizadas por facti species determinadas); ii) há um grau de diferença entre as regras e os princípios: as regras se aplicam por subsunção, pois seu conteúdo é preciso (são preceitos definitivos); já os princípios se aplicam por ponderação, uma vez que ordenam a realização de algo na medida do possível, relativamente às possibilidades jurídicas e fáticas, sendo, pois, preceitos de otimização, que podem ser cumpridos em diversos graus; em razão disso, os princípios produzem uma sensação de ‘incompletude’ no sistema jurídico, servindo como válvula de abertura para contemplar situações jurídicas novas, complexas ou limítrofes (que se encontram em uma ‘zona de penumbra ou campo cinzento’), além de servirem como um modo de satisfazer as aspirações ético-essenciais do direito; iii) podem ser expressos ou implícitos (ou, de outro modo, pode-se falar também princípios positivos de direito e em princípios gerais de direito), ao contrário das regras jurídicas, que são sempre explícitas; iv) violar um princípio é mais grave que violar uma regra, porque quem viola uma regra infringe um mandamento específico, enquanto que a violação de um princípio implica a insurgência contra todo um alicerce axiológico do sistema jurídico; v) o conflito entre regras jurídicas resulta em antinomia, o que faz que somente uma delas seja aplicada, sendo a outra excluída ou eliminada do sistema por imposição de critérios como o de que lex superior derrogat inferiori, lex specialis derrogat generali e lex posterior derrogat priori; por outro lado, o confronto entre dois princípios jurídicos não resulta em antinomia, isto é, não se exige que um deles seja eliminado para que o outro possa ser aplicável: a opção do intérprete por um não significa a desobediência do outro, pois não têm a pretensão da exclusividade, podendo entrar em oposição ou em contradição entre si (ou seja, podem ser ajustados, de modo que, por uma solução ‘intermédia’, a oponibilidade interna se resolve em um compromisso), o que dá flexibilidade aos princípios, oferecendo mais de uma solução ao problema do confronto entre dois bens jurídicos, permitindo-se encontrar um meio-termo entre a vinculação e a não-vinculação, e, destarte, levar a sério a Constituição sem exigir soluções impossíveis “’reserva do possível’); com efeito, os conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto que os conflitos entre os princípios resultam em uma questão de peso (ou seja, o princípio menos relevante acaba por ceder espaço ao princípio mais relevante a ser aplicado a uma situação fática, sem, com isso, haver a sua exclusão); vi) por fim, os princípios têm papel fundamental no ordenamento jurídico (posição hierárquica mais elevada) e têm natureza normogênica das regras jurídicas: em razão disso, não há conflitos antinômicos entre regras e princípios jurídicos, uma vez que as regras concretizam os princípios (as regras determinam situações fáticas que são indeterminas pelos princípios). De modo que, o que pode ocorrer, é a regra não ter concretizado adequadamente determinado princípio, o que resulta na sua perda de eficácia, bem como justifica interpretações contra legem, quando a regra, por ventura, contrariar um princípio jurídico”. CAMBI, Eduardo. Jurisdição no processo civil: uma visão crítica. 1a ed., 2at., Curitiba: Juruá, 2003, p. 109-111.

[4] Cf. Eduardo Cambi: “Ademais, os princípios são diferentes das regras jurídicas, porque: i) têm maior grau de abstração e, por conseguinte, menor densidade normativa (vale dizer: possuem uma série de hipóteses, facti species ou tatbestand indeterminados, enquanto que as regras são caracterizadas por facti species determinadas); ii) há um grau de diferença entre as regras e os princípios: as regras se aplicam por subsunção, pois seu conteúdo é preciso (são preceitos definitivos); já os princípios se aplicam por ponderação, uma vez que ordenam a realização de algo na medida do possível, relativamente às possibilidades jurídicas e fáticas, sendo, pois, preceitos de otimização, que podem ser cumpridos em diversos graus; em razão disso, os princípios produzem uma sensação de ‘incompletude’ no sistema jurídico, servindo como válvula de abertura para contemplar situações jurídicas novas, complexas ou limítrofes (que se encontram em uma ‘zona de penumbra ou campo cinzento’), além de servirem como um modo de satisfazer as aspirações ético-essenciais do direito; iii) podem ser expressos ou implícitos (ou, de outro modo, pode-se falar também princípios positivos de direito e em princípios gerais de direito), ao contrário das regras jurídicas, que são sempre explícitas; iv) violar um princípio é mais grave que violar uma regra, porque quem viola uma regra infringe um mandamento específico, enquanto que a violação de um princípio implica a insurgência contra todo um alicerce axiológico do sistema jurídico; v) o conflito entre regras jurídicas resulta em antinomia, o que faz que somente uma delas seja aplicada, sendo a outra excluída ou eliminada do sistema por imposição de critérios como o de que lex superior derrogat inferiori, lex specialis derrogat generali e lex posterior derrogat priori; por outro lado, o confronto entre dois princípios jurídicos não resulta em antinomia, isto é, não se exige que um deles seja eliminado para que o outro possa ser aplicável: a opção do intérprete por um não significa a desobediência do outro, pois não têm a pretensão da exclusividade, podendo entrar em oposição ou em contradição entre si (ou seja, podem ser ajustados, de modo que, por uma solução ‘intermédia’, a oponibilidade interna se resolve em um compromisso), o que dá flexibilidade aos princípios, oferecendo mais de uma solução ao problema do confronto entre dois bens jurídicos, permitindo-se encontrar um meio-termo entre a vinculação e a não-vinculação, e, destarte, levar a sério a Constituição sem exigir soluções impossíveis “’reserva do possível’); com efeito, os conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto que os conflitos entre os princípios resultam em uma questão de peso (ou seja, o princípio menos relevante acaba por ceder espaço ao princípio mais relevante a ser aplicado a uma situação fática, sem, com isso, haver a sua exclusão); vi) por fim, os princípios têm papel fundamental no ordenamento jurídico (posição hierárquica mais elevada) e têm natureza normogênica das regras jurídicas: em razão disso, não há conflitos antinômicos entre regras e princípios jurídicos, uma vez que as regras concretizam os princípios (as regras determinam situações fáticas que são indeterminas pelos princípios). De modo que, o que pode ocorrer, é a regra não ter concretizado adequadamente determinado princípio, o que resulta na sua perda de eficácia, bem como justifica interpretações contra legem, quando a regra, por ventura, contrariar um princípio jurídico”. CAMBI, Eduardo. Jurisdição no processo civil: uma visão crítica. 1a ed., 2at., Curitiba: Juruá, 2003, p. 109-111.

[5] AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado. Direitos fundamentais do direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 19.

[6] BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos no novo código civil. 2ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 2.

[7] HORA NETO, João. Os princípios do novo Código Civil e o direito das obrigações. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 681, 17 mai. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6737>. Acesso em: 25/10/2005. 

[8] HENTZ, André Soares. O sistema das cláusulas gerais no Código Civil de 2002 e o princípio da função social do contrato . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 317, 20 mai. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5219>. Acesso em: 25/10/2005.

[9] AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado. Direitos fundamentais do direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 9.

[10] MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um sistema em construção: as cláusulas gerais no projeto do código civil brasileiro. Revista dos Tribunais, ano 87, v. 753, julho/1998, p. 29.

[11] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no brasil. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547>. Acesso em: 25/10/2005.

[12] Vide ANEXOS.

[13] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O constitucionalismo contemporâneo e a instrumentalização para a eficácia dos direitos fundamentais. Disponível em <http://www.cjf.gov.br/revista/numero3/artigo10.htm> . Acessado em 15/11/2005.

[14] Vide ANEXOS: Instrução normativa n° 25/2000.

[15] Vide ANEXOS.

[16] RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 04.

[17] MARTINS-COSTA, Judith. O novo código civil brasileiro: em busca da ética da situação. In: Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 118.

[18] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª ed.atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 18 e 19.

[19] MARTINS-COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.

[20] MARTINS-COSTA, Judith. As cláusulas gerais como fatores de mobilidade do sistema jurídico. RT, v. 680, p. 50.

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