Romualdo Flávio Dropa
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grosa
Especialista em Direito e Memória pela Universidade Estadual de Ponta Grossa
Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná.
Lembra-nos o professor
Lenio Luiz Streck[1] que,
ainda sob o efeito positivista, nossas faculdades de Direito adotam currículos
que privilegiam a formação de tecnólogos do Direito: escravos da lei e meros
intérpretes desta, sem visão crítica mais aprofundada. Segundo o Doutor Lenio,
a política educativa na área jurídica estimula a educação “manualesca” em
detrimento à leitura crítica, profunda, reflexiva dos tratados, da bibliografia
clássica e dos pensadores da humanidade. Trata-se de fast food educativo, formação imediatista, com visão empresarial na
sua maioria, descomprometidos com a construção de pensadores e profissionais
polivalentes, críticos, autônomos e interdependentes.
De acordo com Dworkin[2], o
Direito deriva dos direitos morais e que os juízes, sendo aplicadores do
Direito, precisam tornar-se filósofos uma vez que eles e a ciência jurídica
lidam com questões que os filósofos se deparam há séculos. O Direito, sendo
ciência social aplicada, precisa se responsabilizar e resolver estas questões
filosóficas.
Dworkin[3]
propõe a idéia de que igualdade significa tratar a todos de forma igual, e não
igualmente, como dizem alguns. Como exposto, tratar igualmente ou desigualmente
é algo muito vago, muito indeterminado. Ao passo que tratar de forma igual,
percebe-se que esta igualdade refere-se a cada pessoa, individualmente
considerada.
Importante lembrar que a
dogmática jurídica, a configuração de um ensino meramente codicista, muito
longe de ensinar o acadêmico de direito a formular raciocínios jurídicos,
críticos e reflexivos buscando respostas aos problemas e questões que permeiam
o universo humano, acabou por limitar a percepção de mundo.
Hans Kelsen trouxe a visão de um Direito
integral, procurando abandonar todos os demais fatores que circundam o Direito,
quais sejam: moral, política, religião, dentre outros, tratando de despir a
Ciência Jurídica de qualquer influência sociológica que venha a macular a
pureza do ordenamento jurídico e criando a idéia do direito como um sistema
estático.
Esta visão tecnicista do Direito não se
refletiu apenas em juristas igualmente técnicos, mas também no próprio ensino
da Ciência Jurídica. Professores de Direito, em grande parte, desconhecem a
hermenêutica constitucional, a capacidade de interpretação além do numerus clausus presentes nos códigos,
cooperando na formação de bacharéis conservadores, despolitizados, alheios à
realidade social e, consequentemente, na formação dos próprios advogados,
magistrados e membros do Ministério Público, simplesmente “robotizados” e
alienados.
Constroem-se, assim, juristas pouco
interessados na reflexão filosófica que envolve a causa humanista do Direito,
com análise hermenêutica e a interpretação da norma ou dos princípios
jurídicos, os quais se esquecem que como futuros advogados, juízes, promotores,
delegados, dentre outros caminhos na fascinante carreira jurídica, deverão
justamente buscar a análise reflexiva envolvendo o caso concreto.
Some-se a isso a alienação de estudantes e
bacharéis com uma percepção de mundo apartada das intensas transformações vividas
pelo direito em nossa sociedade, os quais se configuram em futuros juristas de
visão limitada, pequena, estreita, fechados hermeticamente num mundo que visa
tão somente a competitividade profissional. São “operadores do Direito” sem
qualquer comprometimento com a importância social de seu papel na
materialização dos ideais de justiça social e distributiva.
São profissionais que fogem da realidade
humanizante do Direito, que fecham os olhos às novas vertentes do conhecimento
jurídico, principalmente os de caráter humanista da ciência jurídica e não mais
dogmática e meramente positivista. São profissionais fossilizados num sistema jurídico
engessado, pessoas meramente robotizadas para a reprodução de um tecnicismo
frio e sem viço na vida profissional.
O resultado disso tudo é uma massa de
profissionais que refletem uma cultura técnico-profissional defasada, vivida e
incorporada nas faculdades de direito e que é incapaz de compreender a dinâmica
e a dimensão dos (novos) conflitos sociais.
Ao mesmo tempo em que
juristas mal preparados para a utilização da ferramenta hermenêutica passam a
fazer parte do sistema jurídico, uma outra problemática se configura no
horizonte do Direito: existe uma vasta lacuna envolvendo a questão da
homossexualidade e o Direito Brasileiro, evidentemente no que diz respeito à
homossexualidade e seus efeitos jurídicos.
Por
outro lado, vive-se numa realidade onde novos mundos são possíveis. O enfoque
sistêmico de Niklas Luhmann é uma destas novas possibilidades de se compreender
a sociedade humana e, igualmente, abandonar a visão mecanicista de mundo. Para
Luhmann, as relações sociais não podem ser compreendidas de forma isolada, pois
são questões interligadas e interdependentes. Este novo paradigma busca superar
o método de analise das partes em prejuízo do todo e do determinismo das relações de causa e
efeito[4].
Luhmann, em
sua teoria sistêmica, pretende uma universalidade que se traduz numa teoria
geral do conhecimento abrangendo vários setores da sociedade, como o direito, a
economia, a religião, a educacão, a etica, a politica etc, também denominados
de subsistemas. Alem disso, segundo Luhmann, não é possível conhecer a
realidade (os sistemas) apenas o observando: na verdade, os próprios sistemas
devem observar a si mesmos e aos demais sistemas enquanto partes de seu entorno
(teoria dos sistemas que se observam)[5].
Neste sentido, utilizando-se da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, é
possível formular que, como todo subsistema social, o direito é constituído por comunicações.
O direito, bem como a política, insere-se
como um dentre outros subsistemas e, por isso mesmo, capaz de desenvolver
códigos próprios para desempenharem suas funções recíprocas no interior da
sociedade. O primeiro [...] utilizando-se do código licitude/ilicitude, funciona para a estabilização de expectativas
de comportamento, ao passo que o segundo, ao fazer uso do código governo/oposição, atua para condensar a
formação das opiniões públicas de tal maneira que seja possível a tomada de
decisões que vinculem coletivamente[6].
Para Luhmann, os sistemas
sociais são considerados unidades autopoiéticas de comunicação, ou seja, têm
como unidade elementar a comunicação e como estruturas, as expectativas. Os
sistemas sociais constituem-se na medida em que se diferenciam do ambiente, dos
sistemas da vida e psíquicos.
As operações fundamentais
dos sistemas sociais se caracterizam por comunicações, enquanto que as
operações fundamentais dos sistemas psíquicos são idéias, pensamentos. As
comunicações dos sistemas sociais se reproduzem por meio de novas comunicações,
e idéias ou pensamentos se reproduzem por meio de novas idéias e pensamentos
numa infinita dialética. Alem das fronteiras dos sistemas sociais não existe
comunicação e tampouco fora dos sistemas psíquicos. Ambos os sistemas operam
fechados, no sentido que as operações que produzem os novos elementos do
sistema dependem das operações anteriores do mesmo sistema e são, ao mesmo
tempo, as condições para futuras operações. Esse fechamento é a base da
autonomia do sistema o que configura a autopoiese do sistema. A comunicação não
é possível sem a presença dos sistemas psíquicos.
Com o aumento da
complexidade da estrutura do sistema, ocorre uma evolução funcional. Este
processo evolutivo - no sentido de transformação do elemento desviante em
estrutura do sistema - se perfaz quando se preenchem três condições: variação
(uma comunicação desvia-se do modelo estrutural de reprodução social, o
surgimento de elemento diferente dos até então existentes); seleção (a
comunicação desviante pode ser rejeitada ou selecionada de forma a permitir a
continuidade da reprodução desviante); e restabilização (o mecanismo que
assegura a compatibilização da nova expectativa com o sistema, tornando-se
parte de uma unidade de reprodução autoreferencial)[7].
A teoria identifica três
tipos de sociedade, conforme a evolução do sistema social, sendo que na
sociedade moderna, de alta complexidade, dinâmica e abertura para o futuro, a
evolução conduz a uma diferenciação funcional, ou melhor, ao surgimento de
sistemas parciais autônomos, cada um constituindo uma unidade de reprodução
auto-referencialmente fechada e fazendo parte do ambiente dos outros sistemas
sociais. A sociedade moderna caracteriza-se, portanto, pela sua alta
complexidade (presença de mais possibilidades do que as que são suscetíveis de
ser realizadas); pela supercontingência (a contingência significa que as possibilidades
poderiam ser diferentes das apontados) e a diferenciação sistêmico-funcional,
como, por exemplo, a emergência de um sistema jurídico autônomo[8].
Para Luhmann,
o mais amplo e complexo sistema social é a sociedade, constituída por todas as
comunicações existentes. Enquanto sistema mais abstrato, a sociedade
possibilita a existência das demais classes de sistemas sociais situadas nos
níveis inferiores de abstração (interações e organizações). E enquanto sistema
global, a sociedade dá suporte, através das operações de
diferenciação/especialização de funções, aos vários sistemas abstratos parciais
(subsistemas): economia, política, direito, religião, educação, moral, ciência,
etc.[9].
Segundo
Luhmann, o mundo oferece um “excesso de possibilidades”, o que promove uma
multiplicidade de mundos, de visões com complexa tradução homogeneizadora.
Nos contornos
da sociedade moderna, complexamente descentralizada e com alto grau de
diferenciação funcional, o intuito de se estabelecer uma moralidade unilateral
para o ambiente corre o sério risco de barrar as premissas para a comunicação,
gerando ineficiência na construção de padrões aceitáveis de entendimento sobre a matéria. Em outras
palavras, negando respeito aos diferentes subsistemas sociais de exporem suas
concepções internas sobre o risco ecológico e impedindo a comunicação a
problemática ambiental não adquire condições de penetrar nas agendas
diferenciadas que compõem o sistema sociedade.[10]
A demanda pela proteção
de novos direitos leva à chamada irritabilidade do sistema jurídico para
conflitos passem a ser processados por meio dos códigos próprios do jurídico,
daí o surgimento em toda parte de leis que tutelam os chamados interesses
metaindividuais. Os conflitos da sociedade pos-moderna exigem cada vez mais a presença
do Estado para que os medie através do direito positivado.
As irritações que o
ambiente estabelece com o sistema jurídico leva a clara necessidade de se
estabelecer novas premissas decisórias para a solução destes conflitos e a
criação de novos paradigmas.
Assim, o reconhecimento
do direito das denominadas “minorias” vem promover a redução da complexidade e
também a estabilização das instabilidades de que estes interesses são
detentores, ou seja, permitir a estabilização da contigência (possibilidade
de que várias opções sejam aceitas como a mais adequada para o caso, fruto da
decisão tomada) e, portanto, da incerteza que lhes é característica.
A Teoria dos
Sistemas sugere uma visão da sociedade moderna, tomando por base a sua
complexidade e a estabilização de certas esferas de comunicacao especificas,
como por exemplo, o direito, acompanhado de outros subsistemas do sistema
social total como a economia, a política, a educação, dentre outros.
Os sistemas
sociais não são compartimentos estanques, afirmando Luhmann que existe um fechamento
operacional, em combinação com uma abertura cognitiva de cada
sistema autônomo com seu meio ambiente. Assim, os sistemas autopoieticos se encontram
em acoplamento estrutural com o meio ambiente.[11]
Não existe
hierarquia, autarquia, isolamento e nem total independência entre os sistemas e
seus respectivos meios ambientes. Os sistemas operam a partir de códigos
binários de acordo com a função de cada sistema.
No caso do direito,
esse código binário se configura através dos pólos lícito/ilícito, na educação
pelo conhecimento/ignorância, na política pelo poder/não poder e assim,
sucessivamente para cada meio ambiente auto-referente. Através destas operações
binárias cada sistema controla o que nele penetra e de que forma ocorre esta
penetração, bem como regula o que não pode atravessar suas fronteiras efetuando
uma seleção indispensável ao controle da complexidade com a qual tem de
trabalhar.[12]
O aumento
crescente da complexidade do entorno, e conseqüentemente, da própria complexidade
reduzida do sistema social, faz com que este se diferencie em subsistemas
sociais voltados ao desempenho de funções específicas, segundo um código
binário operacional próprio e os respectivos meios de comunicação
simbolicamente generalizados (definidos como os instrumentos indicativos da
unidade da diferença de um dado para o sistema): o Direito (código
lícito/ilícito), a economia (código lucro/prejuízo) a política (código
progressista/conservador), a ciência (código verdadeiro/falso), da educação (ensino/não
ensino), da moral (código bem/mal) cada um com função e operação autopoiética
próprias. Esta especialização de funções contribui decisivamente para a redução
da crescente complexidade social. E ao mesmo tempo aumenta a complexidade do
sistema global, que contém agora mais sistemas com as respectivas parcelas de
complexidade[13].
Luhmann
pretendeu elaborar uma teoria sociológica que seja totalmente capaz de observar
e apresentar soluções para se reduzir a crescente complexidade da sociedade
pos-moderna. Para ele, não são os indivíduos que constituem os sistemas
sociais, mas sim as comunicações. Informação leva à comunicação, a qual é
elemento de produção autopoiética do sistema social: somente a comunicação gera
comunicação (desenvolvimento de mais comunicação a partir da comunicação).[14]
Comunicações conectam com
comunicações. O sistema cessa - deixa de existir - quando a comunicação acaba. O fato de que somente a comunicação reproduz comunicação
exclui os estados psicológicos e biológicos como elementos constitutivos e
intrínsecos da operação comunicativa. A despeito de estar fora do sistema
social, o indivíduo é elemento fundamental na comunicação, dado que os sistemas
sociais necessitam da vida para existir: aquela somente ocorre se mediada pelo
sistema psíquico. Tanto o sistema biológico quanto o psíquico devem estar
presentes para que a comunicação possa emergir. É que somente a
comunicação gera comunicação, mas não é capaz de percebê-la. A consciência é o
único sistema com capacidade de perceber a comunicação, apesar de não
gerá-la. Em suma: a consciência é imprescindível para a comunicação, de
modo que o sistema social e o sistema psíquico estão estruturalmente acoplados
(interpenetração). É desta forma que se dá a relação entre indivíduo e sociedade[15].
Porem, a comunicação pode
ser interrompida também por outros elementos e, ao invés da estabilização do
sistema, o que ocorre e justamente a continuidade de sua complexidade.
Convém destacarmos
algumas diferenças entre Luhman e Habermas, pois as proximidades teóricas são
muito grandes. Luhman possui idéias sistêmicas enquanto Habermas possui idéias
estruturais. Para Luhman existem três tipos de sistemas autopoiéticos, quais
sejam: a) sistema social – que seria a comunicação; b) sistema psíquico – que seria
a operação do pensamento e c) sistema orgânico – que seria as operações vitais.
Neste contexto, a sociedade é uma pequena parte do ser humano. Habermas, por
sua vez, estuda o agir comunicativo, procedimentalizando como um agir
característico.[16]
E justamente
na ausência de comunicação presente no sistema social que produz a exclusão
social de indivíduos homossexuais, os quais têm muitos de seus direitos usurpados, como no caso das
uniões homoafetivas envolvendo separação de bens, direitos de sucessão, adoção de
crianças, bem como certa indiferença do Judiciário a respeito da gravidade dos
crimes de ódio cometidos em virtude da homofobia, ofendendo os princípios da
cidadania e do acesso à Justiça, da Democracia, Justiça Distributiva, dos
Direitos Humanos e da dimensão social do Direito.
Isto ocorre pela falta de
comunicação entre o sistema Direito e o ambiente.
Conforme lembra Marcelo
Neves,
A conquista de
novos direitos de cidadania e a sua ampliação passam por três momentos
jurídico-políticos. Em primeiro lugar, surge a semântica dos direitos humanos,
como exigência moral ou valorativa do reconhecimento e satisfação de
determinadas expectativas normativas que emergem na sociedade e são avaliadas
como imprescindíveis à integração dos indivíduos e grupos. A semântica dos
direitos humanos pressupõe inegavelmente tanto o desenvolvimento de
representações morais universalistas, a saber, orientadas no sentido da
construção e da ampliação generalizada dos direitos de cidadania, quanto a
complexificação e diferenciação da sociedade em esferas autônomas de
comunicação.[17]
Neste sentido, o modelo de subsistema jurídico fechado
e auto-referente luhmanniano encontra obstáculos em países subdesenvolvidos, e
menciona que ao contrário dos países desenvolvidos, nos periféricos existe uma
alopoiese social do direito, pois ao invés do código lícito, ilícito, incidem
outros códigos, pertencentes a outros subsistemas, enfim, não estando definida
no Brasil a fronteira da juridicidade, como ocorre nos países desenvolvidos, em
que os subsistemas sociais estão bem diferenciados funcionalmente.[18]
Aqui entra a necessidade de harmonização entre os
discursos de Habermas e Luhmann, pois Habermas privilegia as ações comunicativas
que têm como pano de fundo um horizonte hermenêutico ou mundo da vida formador
de contextos paraprocessos racionais de entendimento. Tais processos de entendimento
podem desdobrar-se em dois planos: o da comunicação trivial ou praxis
comunicativa cotidiana, ao nível do mundo da vida, isenta de questionamentos; e
o plano do discurso argumentativo “comunicação paradoxal” destinado a resgatar
pretensões de validade a partir do momento em que o conteúdo informativo da
atividade comunicativa é questionado. Trata-se, neste caso, de uma comunicação
paradoxal. Por isso, a teoria do agir comunicativo também pode ser
caracterizada como uma teoria discursiva da verdade, da sociedade, da moral, do
direito, da comunicação, etc.
Entretanto, a intersubjetividade também pode ser tida
como “resultado intermitente” de uma relação comunicativa frágil entre um Ego
e um Alter, a qual pode se concretizar por meio de uma comunicação lingüística.
Jürgen Habermas se decide por esta segunda possibilidade de interpretação da
intersubjetividade. E como primeira conseqüência, ele não pode mais tomar como ponto
de partida a idéia de uma subjetividade fundada apenas nas operações mentais
solitárias de um sujeito que constitui e desoculta monologicamente o mundo.
Para ele, a intersubjetividade é, ao mesmo tempo, pressuposto e resultado,
intermitente, da linguagem comum.
Desta forma, a intersubjetividade dá origem e fundamenta
o agir comunicativo entre um Alter e um Ego, que é a base de qualquer processo
social. Convem salientar, no entanto, que Jürgen Habermas acrescenta um
elemento fundamental à visão fenomenológica da intersubjetividade, dado o fato
de que ele interpreta esse princípio à luz de um paradigma do agir comunicativo
orientado por entendimento racional. E neste paradigma, Ego e Alter são
tidos na conta de sujeitos que se socializam e se individuam mediante esse tipo
específico de comunicação lingüística. Isso é possível porque eles já se
encontram previamente em mundos da vida estruturados lingüisticamente que podem
ser compartilhados de modo intersubjetivo.
Para Niklas Luhmann a intersubjetividade é impossível,
dado o problema da dupla contingência. E neste contexto a intersubjetividade
passa a ser algo improvável.
Por isso Luhmann simplesmente abandona o conceito tradicional
de intersubjetividade, o qual é, no entanto, adotado por Habermas.
Luhmann se desfaz desse conceito porque o considera problemático,
um “não-conceito”. Segundo ele, tal conceito se fundamenta na idéia de que a
subjetividade e a intersubjetividade são co-originárias e pressupõem, além
disso, uma relação dialética entre Ego e Alter.
Segundo Luhmann, o problema da dupla contingência está
presente de modo virtual sempre que surge um sistema psíquico ou uma
consciência capaz de experimentar sentido. E esse problema eclode
explicitamente quando tal sistema psíquico se encontra com outro sistema
psíquico ao qual se atribui sentido, ou com um sistema social. Nesse caso, o
problema da dupla contingência se torna um problema de comunicação.
Teubner e Willke buscam compatibilizar
a teoria dos sistemas de Luhmann com a teoria do agir comunicativo e a ética do
consenso de Habermas, apresentando a noção de “Direito Reflexivo” onde os
subsistemas não se encontram apenas em observação recíproca, mas admitindo
interferências intersistêmicas. Neste sentido, lembra Marcelo Neves:
No início da década de 80, Teubner apresenta o esboço
de uma teoria pós-moderna do “direito reflexivo”. Com certas alterações no
projeto originário, formula no fim dos anos 80 o seu modelo de autopoiese do
direito, distanciando-se, ao sustentar a pluralidade e a gradação da autopoiese
jurídica, do modelo construído por Niklas Luhmann, sem dúvida o autor que mais
influenciou a sua obra. A heterodoxia de Teubner em relação à teoria sistêmica
leva-o, no decorrer da década seguinte, a desenvolver, sob influência também do
descontrutivismo de Jacques Derrida, uma teoria em que se enfatiza o pluralismo
jurídico e a heterarquia do direito no plano global, ou seja, em que se destaca
a importância crescente das ordens jurídicas globais desvinculadas do Estado.
Integram-se nessa configuração também os seus estudos sobre as conseqüências da
privatização do direito ou das “governanças privadas” na sociedade mundial. No
início deste século, Teubner passou a elaborar uma teoria das constituições
civis da sociedade mundial, com impacto significativo no debate sobre ordens
transnacionais.[19]
Neste consenso estaria a
Constituição como vínculo estrutural entre Direito e Política (com autonomia
operacional de ambos os sistemas), sendo, portanto, mecanismo de
interpenetração e interferência entre dois sistemas sociais autopoiéticos.
Segundo Luhmann, o homem vive em um mundo constituído
sensorialmente e dotado de complexidade e contingência. Porém, importante
lembrar que, sob a ótica de Luhmann, o Direito é um sistema
autopoiético que, na lição de Teubner[20],
se autoreproduz sobre um código binário próprio (válido/inválido, legal/ilegal
ou direito/nãodireito), estando, assim, em clausura sistêmica, porém sofrendo
interferência intersistêmica, ou seja: o direito é um sistema autônomo, que
opera de modo fechado, porém cognitivamente aberto às interferências vindas de
outros sistemas, para filtrá-las
em seu próprio código binário.
Ainda,
de acordo com Teubner, O Direito constitui um sistema autopoiético de segundo
grau, autonomizando-se em face da sociedade, enquanto sistema autopoiético de
primeiro grau, graças à
constituição auto-referencial dos seus próprios componentes sistêmicos e à
articulação destes num hiperciclo.[21]
Observar o Direito como
um sistema autopoiético pressupõe assimetria, desvio entre a complexidade
estruturada e determinada do mundo jurídico com a supercomplexidade não
estruturada e indeterminada do meio ambiente.
A referência dos sistemas
sociais ao seu meio ambiente se dá através da função (expectativas normativas)
e prestação (a forma de solução de conflitos diversa dos demais sistemas).
A forma de diferenciação
funcional respondida pela função congruente das expectativas normativas
encontra-se na institucionalização dos Direitos Fundamentais.
A constitucionalização
simbólica, sendo ausente a constituição normativa, perde a validade empírica
como sistema autopoiético visto que a insuficiência e incapacidade de
heterorreferência na concretização normativa do texto constitucional
operacionalmente autônomo em resposta às exigências do meio ambiente.
Para Luhmann, sociedade é
“um sistema social autopoiético
operacionalmente fechado que inclui em si mesmo, através da comunicação, todos
os demais sistemas sociais”[22].
Ou seja, a Sociedade é o sistema abrangente de todas as comunicações, que se
reproduz autopoieticamente, na medida em que produz, na rede de conexão
recursiva de comunicações, sempre novas (e sempre outras) comunicações.[23]”
A comunicação aqui
referida deve ser considerada como a síntese do processo comunicacional
constituído de três etapas indissociáveis: informação, participação e
compreensão, que são o produto das seleções de sentidos realizadas não pelos
indivíduos isoladamente, mas no interior do próprio sistema social.[24]
Direito, assim, não apenas
possui uma linguagem, mas é uma linguagem, na medida em que
instrumenta uma modalidade de comunicação entre os homens, seja para ordenar
situações de conflito, seja para instrumentalizar políticas”[25].
[1]
Congresso Internacional de Direito Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro,
30.11.05, Rio de Janeiro, RJ.
[2] DWORKIN,
Ronald. Uma Questão de Princípio. Trad. Luis Carlos Borges. 2ª ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2005.
[3] Ibidem, p. 325.
[4]
CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. 13. ed. São Paulo: Cultrix, 1996. p.
25-33; GRÜN, Ernesto. Uma vision sistêmica y cibernética del derecho.
Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 19--. p. 17-22.
[5] LUHMANN, Niklas. Introducción a la teoría
de sistemas, Traducción de Silvia Pappe, Brunhilde Erker y Luis
Felipe Segura. Barcelona: Anthropos, 1996, pp. 55 e ss.
[6] PEDRON,
Flávio Quinaud. Direito, Política e Constituição para a Teoria dos
Sistemas de Niklas Luhmann. Disponível na Internet:
http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 07/02/2011.
[7] BRZEZINSKI, Maria Lúcia Navarro Lins. Em
busca de novas formas de compreensão do fenômeno Jurídico: uma introdução à
abordagem sistêmica de niklas Luhmann,
Rev. Disc. Jur. Campo Mourão, v. 4, n. 2, p.122-143, ago./dez. 2008
[8] BRZEZINSKI, Maria Lúcia Navarro Lins. Em
busca de novas formas de compreensão do fenômeno Jurídico: uma introdução à
abordagem sistêmica de niklas Luhmann,
Rev. Disc. Jur. Campo Mourão, v. 4, n. 2, p.122-143, ago./dez. 2008.
[9]
CAETANO, Matheus Almeida; MACHADO, Fabio Guedes de Paula; MOURA, Bruno de
Oliveira. O Direito sob a perspectiva da
teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. Disponivel em <http://www.sociologiajuridica.net.br/numero-9/227-o-direito-sob-a-perspectiva-da-teoria-dos-sistemas-de-niklas-luhmann>.
Acesso em 07/02/2011.
[10] ANDRADE,
THALES. Ecological Comunnication.
Ambiente & Sociedade. Editora Cubo, Ano I – N.2 _1° semestre de 1998.
[11]
LUHMANN, Niklas. La sociedad de la
sociedad. Traducción: Javier Torres Nafarrate. Universidad IberoAmericana
Biblioteca Francisco Xavier Clavigero, Herder: Mexico, 2006.
[12] LINS, Breno
Gustavo Valadares. Brasil: 20 anos de redemocratização – uma análise da
constituição federal de 1988 a partir da teoria dos sistemas sociais.
Disponível em < http://ruc.udc.es/dspace/bitstream/2183/2498/1/AD-11-54.pdf>
Acesso em 08/02/2011.
[13] LINS, Breno Gustavo Valadares. Brasil: 20
anos de redemocratização – uma análise da constituição federal de 1988 a partir
da teoria dos sistemas sociais. Disponível em
<http://ruc.udc.es/dspace/bitstream/2183/2498/1/AD-11-54.pdf> Acesso em
08/02/2011.
[14] Idem.
[15]
CAETANO, Matheus Almeida; MACHADO, Fabio Guedes de Paula; MOURA, Bruno de
Oliveira. O Direito sob a perspectiva da
teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. Disponivel em
<http://www.sociologiajuridica.net.br/numero-9/227-o-direito-sob-a-perspectiva-da-teoria-dos-sistemas-de-niklas-luhmann>.
Acesso em 07/02/2011.
[16]
ANDRADE, THALES. Ecological
Comunnication. Ambiente & Sociedade. Editora Cubo, Ano I – N.2 _1°
semestre de 1998.
[17] NEVES,
Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma
relação difícil: o Estado
Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Harbermas. [tradução do
autor]., 2ª. Ed., São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 182.
[18] Idem,
Ibidem, p. 236-244.
[19]
NEVES, Marcelo. Direito, Sistema e
Policontexturalidade. Disponível em <http://www.unimep.br/phpg/editora/documentos/teubner1.pdf>
Acesso em 03/01/2011.
[20] TEUBNER, Gunter. O
Direito como Sistema Autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1993, p. 139-140.
[21] TEUBNER, Gunter. O
Direito como Sistema Autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1993, p. 53.
[22]
VARGAS, João Protasio Farias Domingues de. O
conceito de sociedade em Niklas Luhmann (A sociedade como sistema
omnicompreensivo). Discponivel em: <http://www.protasiovargas.com.br/bdpv/tex/socluhman_mono1.htm#_ftn8.>
Acesso em 07/02/2011
[23]
Idem.
[24]
LUHMANN, N. Sistemas sociales: lineamientos para una teoría general.
Trad. Silvia Pappe y Brunhilde Erker; coord. Javier Torres Nafarrate. Rubí
(Barcelona): Anthropos; México: Universidad Iberoamericana; Santafé de Bogotá:
CEJA, Pontifícia Universidad Javeriana, 1998. p. 141.
[25]
CORREIA, Marcus Orione Goncalves; CRUZ, Renato negretti; RECIIS – R. Eletr. de
Com. Inf. Inov. Saúde. Rio de Janeiro, v.1, n.2, p.262-272, jul.-dez., 2007